Estudantes da USP conquistam visualizações e admiradores enquanto tentam equilibrar a vida acadêmica e as mídias sociais
por Ana Paula Medeiros e Rian Damasceno
Imagine que você está andando pela universidade e alguém te pergunta: “ei, você é aquele menino do TikTok?”. Para alunos da USP que são influenciadores digitais, a cena é quase rotineira. Aparecer no “Para Você” – aba inicial de vídeos recomendados do aplicativo – não é a única meta do pequeno grupo, que faz malabarismos para equilibrar a fama e os estudos.
Matheus Theodoro (@matheustheodoro_), por exemplo, é estudante de Administração na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. Ele divide seu tempo entre aulas e vídeos de humor para o TikTok. O jovem soma quase 4 milhões de seguidores na rede.
Assim como outros usuários, ele começou a produzir vídeos na pandemia. À medida que foi ganhando mais visibilidade nas redes, propostas publicitárias chegaram, e hoje são sua principal fonte de renda.
Para Gustavo Zael (@uaizael), a situação é diferente. Conhecido como “Agrogay da USP”, o aluno de engenharia agronômica na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP coleciona cerca de 26 mil seguidores no TikTok. Para ele, viver apenas com os lucros da vida de criador de conteúdo é um plano para o futuro.
“Meu TikTok é monetizado e recebo por todos os vídeos, mesmo que seja pouca quantia. É um dinheiro que eu não teria se não gravasse para a internet”, conta o influenciador.
Segundo Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Arte (ECA) da USP e autora do livro “De Blogueira a Influenciadora” (2020), ser criador de conteúdo durante a graduação é quase que assumir um trabalho de meio período, prática comum entre estudantes.
No entanto, a sobrecarga pode ser perigosa para vida profissional e acadêmica. Matheus assumiu que já precisou encurtar a rotina de gravações por causa dos estudos e perdeu aulas devido à profissão.
Já Zael afirma enfrentar um grande bloqueio criativo quando está muito atarefado. “Tem sido bem difícil, porque a graduação exige muito e, quando você coloca gravar vídeos para internet nesse combo, você fica sem tempo”, desabafa. Além do curso integral e da produção para as redes, o jovem participa de um grupo de extensão e da atlética da Esalq.
Os vídeos dele se dividem em dois tipos: o dia-a-dia narrado em terceira pessoa e apresentação do campus. “Quando eu entrei na faculdade, eu não via nada sobre a Esalq, então enxerguei uma oportunidade de mostrar o que as pessoas não costumavam ver.”
Para ele, o objetivo foi atingido. “Quando os calouros entraram neste ano, as pessoas falavam: ‘eu só conheci Esalq porque eu te acompanhava.’”.
Issaaf avalia que o interesse das pessoas pela rotina de universitários está ligado a um consumo inspiracional. “Há uma espécie de curiosidade pela universidade pública, que ainda é reservada para poucos”, explica. “Quando alguém compartilha a vida dentro do campus, é quase escancarar o portão para que mais pessoas possam acessar esse espaço.”
Em entrevista ao JC, Zael contou que decidiu se autointitular como “Agrogay da USP” por causa do peso do nome da instituição.
Ao contrário dele, “USP” não estampa as redes de Matheus e seu conteúdo não é focado na faculdade – o repertório vai de conteúdos sobre roupas até P.O.V.s (sigla em inglês para “ponto de vista”), um tipo de vídeo sobre cenários inusitados. Mas o influencer confessa que ainda pretende criar vídeos sobre a rotina de universitário: “as pessoas acham interessante que eu sou um criador de conteúdo e faço uma faculdade pública. Elas querem saber meu dia-a-dia, como é a USP, como é a FEA.”.
E não só quem é de fora que fica curioso com a “vida dupla” do estudante. Para quem é da USP, é uma surpresa encontrar o menino da tela do celular pelos corredores. “Perguntam ‘o que você está fazendo aqui?’, e eu falo ‘o mesmo que você!’”, brinca.
O estudante afirma gostar quando outros alunos o abordam para conversar e tirar fotos em momentos de descontração. Segundo ele, ficou até mais fácil para conhecer pessoas e fazer amigos.
Apesar da fama e do retorno financeiro, Matheus não pensa em parar de estudar para trabalhar apenas com a internet. “Eu acho muito importante eu ter essa formação”, afirma.
Seu plano é se beneficiar do público que conquistou nas redes e utilizá-las como uma extensão da sua carreira quando se formar. O estudante pretende se especializar na área do marketing e divulgar seu próprio negócio nas mídias sociais. Até lá, pensa: “eu vou finalizar [o curso] e tentar ter as vivências que a faculdade tem para me proporcionar.”