Projeto de IC aponta falta de diversidade em Ciências Moleculares

Sondagem, que tem inspirado mudanças no curso, mostra poucas mulheres, negros e alunos da rede pública

por Dani Alvarenga

Foto: Gabriela Lima/JC

“Definitivamente não é um curso para gênios, é para quem gosta de ciências”, afirma o estudante Rafael Badain sobre a graduação em Ciências Moleculares (CM). Criado em 1991, o objetivo é trazer a interdisciplinaridade e integração de diversas áreas em uma única graduação. 

Para ingressar em Ciências Moleculares, os alunos precisam entrar na universidade por qualquer método de ingresso e, depois, fazer um processo seletivo com perguntas sobre a área científica. “O processo seletivo foi valioso para mim e eu acho importante, porque ele mede mais do que as suas notas”, explica o aluno. 

O curso possui uma abordagem que estimula os alunos a encaminharem suas graduações conforme desejam. “Apresentei o curso a alunos intercambistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e ficaram admirados com a inovação que temos aqui”, relatou Rafael. Apesar de ter boa fama, o curso enfrenta um problema antigo da USP: a falta de diversidade. 

Em 2019, Rafael coletou dados sobre quão diversos eram os estudantes de Ciências Moleculares para verificar se a distribuição dentro do curso correspondia à do Estado de São Paulo. “Nossas turmas mais antigas tinham poucos estudantes de escolas públicas. Antigamente, a gente tinha essa disparidade. Ofereci esses dados para a coordenação e eles atuaram para melhorar isso”, relata Rafael. 

Sua percepção de melhora vem de uma experiência pessoal: para se manter na universidade e ajudar a sustentar sua família financeiramente, ele precisava trabalhar. O curso, por ser integral, dificulta que o aluno estude e procure oportunidades, mas ele foi um dos primeiros alunos a conseguir trancar matérias para exercer atividades fora da USP. “Foi o que me permitiu seguir na carreira acadêmica, porque eu não tinha condições de me manter”, explica o estudante.

Rafael relata que o curso passou a oferecer bolsas PUB, que incentivam a permanência dos estudantes. “Eu ofereci meus dados para a coordenação e eles me informaram que iriam disponibilizar bolsa de permanência para os estudantes do curso, principalmente porque eles já sabiam de um histórico de alunos que precisavam trabalhar”. A promessa foi cumprida, mas o estudante avalia que nem sempre elas são o suficiente. “Eu gostaria de ter tido mais apoio da USP, sinto que os valores das bolsas, até mesmo das agências de fomento, deixam a desejar. Não são adaptadas à realidade”, justifica o aluno. 

Irina lerner, formada em Ciências Moleculares em 2021, afirma que a carga horária do curso dificulta para quem precisa trabalhar. “Muita coisa melhorou, mas o curso acaba sendo um pouco elitista no sentido de que são sete horas por dia, tornando difícil conciliar com trabalho. Se você conseguir manter o ritmo e estagiar, eles permitem – por mais que não seja algo obrigatório para o curso”. 

Ela também observou problemas na questão de gênero. “Acho que a pior falta de diversidade é no quesito homens e mulheres. Já teve turmas que não tinha uma mulher e não porque elas não entraram pelo processo seletivo. São mulheres que não quiseram ficar porque o ambiente era machista.”, descreve. 

Atualmente, ela mora na Austrália e descreve que, apesar das dificuldades, o modelo da graduação em Ciências Moleculares é importante. “O curso realmente tem uma formação excepcional e que a gente não encontra em outros lugares, mesmo dentro da USP, porque no Brasil a gente ainda tem uma mentalidade muito encaixotada das disciplinas”, relata ela.

A ex-aluna afirma ainda que a diversidade racial era presente nas turmas em que teve contato. Contudo, Danilo – aluno que preferiu não se identificar – relatou conhecer apenas dois homens negros em todo o curso e confirmou a falta de mulheres: “de 26 pessoas na minha turma, só tem uma aluna”, relata.

Merari de Fátima Ramires Ferrari, professora e coordenadora da graduação em  Ciências Moleculares, discorda do diagnóstico dos alunos. “O processo seletivo mantém as mesmas proporções de alunos vindos de escola pública e PPI. Posso garantir que o CM talvez seja o curso mais diverso da USP”, afirma. A pesquisa de Iniciação Científica traz outro cenário. Na turma 31, de 2021, dos 36 alunos, apenas 9, ou 25%, eram de escola pública.

Já sobre estudantes pretos, pardos e indígenas no curso, a pesquisa apontou que 0% dos estudantes se identificaram como pretos ou indígenas, e 19,4% como pardos em 2021. No mesmo ano, a USP registrou uma taxa de 44,1% de universitários que utilizaram a cota de PPI.

A professora admite que há uma dificuldade em manter os estudantes: “Nosso desafio atual é consolidar as ações de permanência no curso, uma vez que há uma quantidade razoável de pessoas que voltam para o curso de origem antes de se graduarem no CM”, informou Ferrari.

Sobre a pesquisa, Merari afirma que o intuito do projeto é “exatamente fazer levantamento sobre a comunidade do CM para melhor entendimento e proposições de ações. Estamos atentos para manter a equidade de acesso do CM”. Uma melhoria observada pela coordenação foi sobre a comunidade LGBTQIAP+. “Um dos resultados mais interessantes que tivemos neste último ano é que a nossa comunidade LGBTQIAP+ sente-se mais acolhida no CM do que em outras unidades”.

Já sobre os baixos níveis de diversidade racial no curso, a coordenadora diz que “o CM tem se mantido atento para acolher pessoas das diferentes origens socioeconômicas e étnicas”.