Próxima parada, Cidade Universitária. Próxima?

Dificuldades de acesso e locomoção na USP são problemas antigos. Novo embarque do circular melhorou atrasos, mas não resolveu lotação

Por Clarisse Macedo, Gabriel Eid, Gabriel Tavares e Thaís Moraes

Embarque na linha 8012-10 às 7h30 saindo da estação Butantã do metrô

O despertador toca. Gustavo Mendes, estudante de engenharia química, acorda às 4h30 da manhã e pega um ônibus às 5h até a estação Portuguesa-Tietê, da linha 1-Azul. Depois, vem uma baldeação para a Linha Amarela, a caminho do terminal Butantã, onde ainda pegará um circular para estar na aula às 7h30. São aproximadamente duas horas de viagem desde sua casa em Guarulhos até a Cidade Universitária. Para Gustavo, a volta é pior, quando ele é obrigado a ficar até tarde fazendo hora na USP, apenas para fugir do horário de pico no transporte. 

A cena de circulares lotados e filas dando a volta no terminal Butantã já se tornou uma tradição diária na USP. No mês de agosto, essa rotina foi impactada por uma mudança: a implantação de um sistema de pré-embarque nos circulares que saem do terminal, iniciativa da Prefeitura da Cidade Universitária. A medida foi anunciada como um teste, visando agilizar o embarque dos passageiros nos ônibus.

Quem frequenta o terminal, no entanto, verifica que a realidade é bem diferente. Ao longo do último mês, a reportagem do JC acompanhou por diversos dias a baldeação metrô-circular na estação Butantã. As filas, agora, são delimitadas por gradis móveis – que quase caem do meio fio quando o número de passageiros é grande – e incluem catracas antes do embarque, que ocorre pela porta traseira. 

A princípio, as duas linhas de circulares que adotaram o sistema (8012-10 e 8022-10) mantinham a proibição de entrada pela frente. O resultado, contudo, eram circulares ainda lotados, mas apenas na parte de trás; a frente ficava livre para o embarque de novos passageiros nos pontos seguintes. Após reclamações, apenas o 8012 voltou a permitir a entrada pelas duas portas. Tudo isso apenas no horário de pico, entre 7h e 9h da manhã.

Um trabalhador da empresa que opera os circulares conta que o embarque pela parte traseira se justifica pelo trajeto da linha 8022-10. Ela passa pelo ponto em frente à saída de pedestres da estação Cidade Universitária, da linha 9-Esmeralda da CPTM. Ali, o volume de pessoas embarcando seria suficiente para ocupar toda a porção dianteira dos ônibus.

A lógica parece não fazer sentido para todos. Durante a apuração desta reportagem, a equipe do Jornal do Campus presenciou um início de discussão entre a cobradora do 8022 e o professor Amauri Cesar de Moraes, da Faculdade de Educação. O docente se queixava: “Fica metade do ônibus vazio”, critica. Também há questionamentos sobre os efeitos que um sistema de pré-embarque como esse pode ter para os trabalhadores de transporte. Uma cobradora do circular ouvida pelo JC, que preferiu não ser identificada, demonstrou receio do sistema ser motivo para demissão de cobradores: “Se tirar a catraca, tira a gente. Vocês querem me tirar? Vão ter que comprar balinha na minha mão”.

Gustavo, estudante citado no início da reportagem, afirma que, com o sistema de pré-embarque, a fila anda mais rápido, mas o problema da lotação continua. Para ele, um problema da entrada pelos fundos é que muitas pessoas ficam paradas na porta para descer nos primeiros pontos dentro da USP, o que acaba congestionando a passagem. “Eu não achei uma solução muito viável.”

Luisa, estudante de Arquitetura da FAU, também afirma que o grande problema do novo sistema é a proibição da entrada pela frente. Ela conta que começou a pegar o 8032-10 apenas porque ele não adota o sistema de pré-embarque. “Tudo bem o 8022-10 [que passa no ponto da CPTM] não permitir a entrada pela frente, mas não tem sentido o 8012-10 fazer isso.”

Aumento de frota. Solução?

As linhas 8012-10 e 8022-10 dos circulares foram inauguradas em fevereiro de 2012, menos de um ano depois da inauguração do metrô Butantã, em 2011. A linha 8032-10 começou a funcionar bem depois, em maio de 2019. Para a estudante de História Lara Gomes, que ingressou na faculdade naquele ano, a criação da nova linha foi um desafogo para a lotação, mas não chegou a resolver o problema.

Lara destaca que a melhor solução seria aumentar a frota de circulares, o número de ônibus articulados e a frequência de saída da garagem. “Saindo do meu trabalho, gasto menos tempo para chegar de metrô ao terminal Butantã do que gasto esperando na fila [do circular]. E o tempo para chegar até a FFLCH, depois de embarcar, é curto. A questão é justamente o gargalo no terminal”, relata. Ela conta ainda que o mesmo problema – a frota de ônibus insuficiente para o número de passageiros da USP – se repete nos demais portões do Campus, o P2 e P3, acessos para a Vila Indiana e Rio Pequeno, respectivamente. 

A estudante da FFLCH mora a poucos minutos de distância do P3, e conta que “entre as 18h e as 19h, quase não sai ônibus do P3. No semestre passado, uma senhora teve que ir até a cabine [dos funcionários] e bater no vidro para acelerar”. O horário apontado por ela coincide com o período apontado por Gustavo como o mais difícil para pegar os circulares. O estudante costuma tomar o circular 8022-10 no ponto das Químicas para voltar para casa, e já ficou quarenta minutos esperando pela condução. 

Assim como Lara, Gustavo acredita que a melhor solução seria o aumento da frota. Porém existe o questionamento se isso não poderia gerar um efeito em cadeia de acúmulo de ônibus e falta de espaço no terminal Butantã, próximo ao P1. Uma cobradora entrevistada, que preferiu não ser identificada, explicou que o P3 tem capacidade para vários ônibus, mas o terminal da estação não teria esse suporte. 

Metrô

Em julho de 2023, a Prefeitura da Cidade Universitária anunciou a elaboração do anteprojeto da Linha 22-Marrom do Metrô, que terá uma estação dentro da cidade universitária e duas próximas de portarias. Em breve as sondagens no terreno do Campus terão início.

O projeto de uma linha de metrô dentro da USP é antigo e envolve questões polêmicas, como a escassa comunicação entre o projeto urbanístico da Cidade Universitária e o restante da cidade. Flávio Fava de Moraes, reitor da USP entre 1993 e 1997, concedeu entrevista para o Jornal da USP em 2017, quando afirmou que o projeto perturbaria o conceito de campus universitário: “Seria imperceptível o que é o campus e o que é a cidade”. 

O professor Amauri Cesar de Moraes, ouvido no início da reportagem, aponta que a rejeição a um projeto de metrô dentro da USP pode advir de uma visão elitista da Universidade: a de que o Campus seria um espaço separado do restante de São Paulo, e não um ambiente público de livre circulação dos paulistanos.

O mais perto que a USP chegou de uma estação em seu Campus foi com a Cidade Universitária da Linha 9 – Esmeralda da CPTM, inaugurada em 1981 e atualmente administrada pela Via Mobilidade. No entanto, o projeto nunca resolveu o gargalo de mobilidade na USP, porque é necessário atravessar a ponte Cidade Universitária, sob o Rio Pinheiros, para chegar até o trem. 

Além disso, a Linha 9 – Esmeralda é conhecida por falhas frequentes, e a passarela de pedestres é marcada por problemas de insegurança, especialmente no período noturno. Tendo isso em vista, quando a atual Linha 4 – Amarela do Metrô estava sendo projetada, novamente se falou sobre a possibilidade de uma estação dentro da USP. A ideia, que nunca chegou a ser colocada no papel, foi vetada porque, segundo a Secretaria de Transportes Metropolitanos, o projeto prejudicaria a integração com os corredores de ônibus das avenidas Francisco Morato e Raposo Tavares, o que seria algo fundamental para a concepção da linha. 

Em entrevista ao JC, a Prefeita da Cidade Universitária Raquel Rolnik (leia a entrevista na pág. 3) explica que um dos diferenciais de sua gestão é o diálogo do Campus com o Metrô de São Paulo, para realizar estudos sobre a implementação da Linha 22 – Marrom. Segundo ela, apenas uma estação metroviária resolveria a questão da mobilidade na USP: “Nunca o sistema de ônibus vai poder atender a intermodalidade com o metrô, que tem dez vezes a eficiência de um circular. Não temos, e nunca teremos, essa capacidade de transportar até o campus todos aqueles que chegam de metrô. Por isso a nossa luta pela Linha Marrom”. Quando perguntada sobre quando o projeto será concretizado, Raquel ri constrangida: “De repente, daqui 10 anos teremos uma estação aqui”.