Falta de transparência: USP não divulga dados de evasão há seis anos

Em duas décadas, Universidade registrou mais de 44 mil desistências; desde então, não justifica apagão

Por Cecília de O. Freitas e Tulio Gonzaga

USP registrou quase 50% de evasão em cursos de Exatas [Cecília de O. Freitas/JC]

Qual a taxa de evasão nos cursos da USP? No momento, é uma pergunta sem resposta: nos anuários estatísticos da universidade e nos documentos públicos da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), não há dados transparentes sobre o assunto. A última pesquisa que se tem conhecimento é de 2018, primeiro ano de adoção do ingresso por cotas raciais. Trata-se de uma apresentação realizada numa reunião de dirigentes ocorrida em Bauru, em julho de 2019. O arquivo está disponível no site da Faculdade de Educação (FE).

Conforme esse mesmo documento, a USP define evasão como os “estudantes matriculados em quaisquer cursos de graduação que abandonaram a universidade”, entretanto, o Regimento Interno da USP lista nove razões para o cancelamento de matrícula. Casos de transferência interna, em que os alunos se transferiram entre cursos da mesma ou de diferentes unidades, são classificados como “desvinculação” ou “mobilidade”, nomenclatura diferente da definida pelo Ministério da Educação, que considera essas situações como evasão.  

Em um período de 19 anos, entre 2000 e 2018, a PRG registrou 44.026 estudantes que evadiram, de um total de mais de 196 mil de ingressantes – equivalente a uma taxa de 22,4%. Ou seja, um a cada cinco estudantes abandonaram a USP. 

A apresentação revela que as cinco unidades com maior taxa de desistência acumulada são de Ciências Exatas. Por outro lado, seis dos oito cursos com menor desistência acumulada são das áreas da Saúde e Arquitetura e Urbanismo, todos de período integral.

Segundo o arquivo, a PRG planejou um mapeamento dos cursos com altas taxas de desvinculação e/ou evasão, além de “discussões para diagnóstico e planejamento estratégico” nas unidades desses cursos, por meio das diretorias, Comissões de Graduação e Comissões de Coordenação de Cursos (COCs). Também foi prevista a criação de um grupo de trabalho (GT) para estudar a desvinculação/evasão na USP.

O Jornal do Campus (JC) teve acesso a um relatório de indicadores de desempenho dos cursos de graduação da Escola de Comunicações e Artes, enviado pela Reitoria às COCs, em setembro de 2023. Entre outras informações, o levantamento inclui porcentagens de permanência, conclusão e desistência nos cursos entre 2013 e 2022, retirados do sistema Jupiterweb. Entretanto, todos os dados da pesquisa foram repassados internamente e não foram divulgados publicamente pela USP.

O relatório aponta que os cursos da ECA apresentam taxas de conclusão, permanência e desistência “dentro do esperado”, quando comparados à média da USP na mesma área do conhecimento, a de Ciências Humanas. O índice do campo foi de 33% para ingressantes em 2017, última turma que conta, até o momento, com dados completos referentes à duração máxima dos cursos, de seis anos. 

Sobre os dados da ECA, especificamente, o documento indica que o curso de Biblioteconomia é uma exceção: a taxa de desistência acumulada é superior à esperada. “É recomendado o acompanhamento do percurso formativo dos estudantes e a reflexão a respeito das trajetórias curriculares”, conclui o relatório.

Em entrevista ao JC, a presidenta da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), Michele Schultz, afirma que a associação já tem o conhecimento da ausência desses dados no anuário estatístico. Ela contou que foi apresentado à USP um Plano Sanitário-Educacional, no pós-pandemia de Covid-19, solicitando, além dos índices de evasão, a delimitação do perfil dos estudantes que abandonaram a universidade. Schultz informa que o requerimento não foi atendido.

No escuro

Para a presidente da Adusp, ao não divulgar os dados sobre o tema, a Pró-Reitoria de Graduação impede tanto as reivindicações por melhorias na estrutura e financiamento da universidade, quanto a criação de políticas institucionais para redução dos índices de evasão.

“A falta de transparência é danosa em vários sentidos. A gente acredita que a administração universitária tem esses dados e tem os motivos dela para não divulgar. Para que a gente, dos movimentos docente e estudantil, não consiga se debruçar e fazer questionamentos”, declara.

O Jornal do Campus solicitou acesso aos dados de evasão dos anos de 2019 a 2023 de estudantes de graduação do campus Capital à Divisão de Sistemas da Pró-Reitoria de Graduação, entre abril e maio deste ano. Foram cinco emails enviados e um requerimento via formulário pelo Serviço de Informação ao Cidadão da USP, ainda sem resposta. 

Por meio da Divisão de Sistemas, o Pró-Reitor de Graduação, professor Aluísio Augusto Cotrim Segurado informou: “Os dados solicitados estão sendo tratados pela Pró-Reitoria de Graduação e Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, com vistas à elaboração de um visualizador sintético dashboard, de apoio à gestão do desempenho dos cursos de graduação e das políticas de ação afirmativas. Tão logo o trabalho seja finalizado, os resultados serão divulgados”. 

Questionada sobre a previsão de conclusão desse trabalho ou sobre o formato de divulgação (interno ou público), a Divisão de Sistemas da PRG afirmou não ter conhecimento das datas. Entretanto, o JC apurou que o material foi, mais uma vez, divulgado internamente para os Presidentes de Comissão de Graduação e Coordenadores de Curso logo antes do fechamento desta edição.

O JC também contatou a PRG para entender os motivos que levaram à falta de atualização destes dados, além de saber sobre o andamento do GT de Evasão, previsto no encontro dos dirigentes em 2019 e ausente da seção de indicadores acadêmicos do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (Egida). Foram três ligações e um e-mail, todos sem respostas. O espaço segue aberto para manifestação.