Divulgação da ciência, ou a arte de simplificar sem simplismos

Principal fruto da universidade pública, pesquisas  chegam ao público por meio de trabalho de divulgação

Por Ingrid Gonzaga e Julia Estanislau

“A ciência é antes de tudo uma atividade visionária. O pensamento científico é nutrido pela capacidade de ‘ver’ as coisas de maneira diferente de como as víamos antes”. Carlo Rovelli é um físico teórico e escritor italiano, conhecido pela interpretação relativista da mecânica quântica — aquela que estuda como partículas elementares, como elétrons, fótons e quarks, se movem e qual é sua natureza. 

Rovelli ainda dedica seu tempo a tornar a ciência e, mais especificamente, a física, mais acessível. Seus livros são um sucesso e o autor já chegou a ser best-seller com “Sete breve lições de física”, uma das obras sobre ciência mais vendidas de todos os tempos. 

Imagine explicar que a luz, na verdade, se comporta como partícula (chamada de fóton), e que os elétrons podem estar em todos os lugares e só se tornam reais quando interagem, de maneira aleatória, com alguma outra coisa. Isso é divulgação científica: explicar e simplificar teorias e experimentos científicos que, para quem não os estuda, parecem complicados demais.

Os que veem diferente

Não é necessário, porém, buscar esse tipo de conhecimento apenas de físicos mundialmente famosos. O boletim “Dia e Noite com as Estrelas”, criado por Ramachrisna Teixeira, professor associado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), junto com seus alunos bolsistas que faziam atendimento ao público no Observatório Abrahão de Moraes (Valinhos, SP), tem o mesmo propósito. 

O boletim nasceu no primeiro ano da pandemia, e a primeira edição foi publicada em setembro de 2020. Com o propósito de fazer uma divulgação científica de boa qualidade e diferente do que já é publicado nos jornais, o projeto também mira na formação dos estudantes.

“Os estudantes têm de resumir um texto em 350, 400 palavras. Tem todo um aspecto de síntese que temos que fazer daquilo que lemos e queremos colocar no papel, e um aspecto gramatical, de clareza da escrita. É um adolescente aprendendo a escrever, algo essencial para a carreira acadêmica”, diz Teixeira. 

Focado em astronomia, o “Dia e Noite com as Estrelas” tem um cuidado em não usar termos tão complexos da área e opta por fazer explicações simples para que todos consigam entender. “A ideia é que a pessoa possa abrir o celular, ver o boletim e ter uma leitura rápida daquilo. Que ela possa aproveitar aquela leitura e que seja uma experiência para ela”, diz Suellen de Goes Camilo, estudante de física na USP e colaboradora do boletim.

Suellen de Goes Camilo, estudante de física na USP e colaboradora do boletim

Ela conheceu o professor durante a disciplina “Astronomia de Posição”, que pegou como optativa. Teixeira a convidou para participar do boletim, que ela já acompanhava desde 2021, quando ainda estava na escola. Foi a partir deste ano, 2024, que passou a ser mais ativa na produção de textos.

O interesse pela divulgação existe desde seus anos na escola, quando já divulgava as olimpíadas de ciências que iriam acontecer. Gostou tanto do trabalho que criou uma conta no Instagram para fazer divulgação científica dos temas de que mais gostava: física, matemática e astronomia. Hoje, até resumos para o Enem estão disponíveis em seu perfil. 

Suellen entrou como voluntária no Boletim, mas diz que, entre seus colegas, isso não é tão comum. Sua percepção é de que a maioria se interessa pela divulgação mais pela bolsa do que por gosto, caso contrário, acreditam que a atividade não agrega na graduação. Diferente dela, que vê como um incentivo a continuar com os estudos. 

“É essencial ter essa divulgação principalmente com o pessoal que está no primeiro semestre, mostrar que eles podem participar de divulgação científica dentro da própria faculdade. Falo isso porque me ajudou e eu sinto que vai ajudar outras pessoas”, diz a estudante. 

Também na época da pandemia, Luiza Caires começou a fazer divulgação científica em suas redes sociais. Jornalista e mestre em comunicação pela USP, ela exerce o papel em conjunto com seu trabalho de editora de Ciências do Jornal da USP. Luiza conta que costuma divulgar temas que considera interessantes.

Diferente do que é de praxe no jornalismo, ela não entrevista especialistas para compor suas divulgações, mas traduz, em uma linguagem facilitada, o que compreende de papers, um descritivo técnico que compila os resultados de uma pesquisa. A função já rendeu, em 2023, o Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na categoria Jornalismo Científico.

Rochas no caminho

São algumas as dificuldades do ofício. Tanto Suellen como Teixeira dizem que é importante tomar cuidado na hora de simplificar uma pesquisa no sentido de torná-la mais compreensível ao público leigo no assunto, porque alguns termos podem ser usados e explicados de forma errada. 

Além disso, o professor lista outros entraves para uma maior e melhor divulgação. “Houve uma época em que fazer divulgação na universidade era quase que pejorativo”, diz. Antes, fazer divulgação era visto como uma desistência da carreira científica. 

Hoje, a universidade está mais aberta para esse tipo de produção. Mesmo assim, ainda é um empecilho: há pouco interesse das pró-reitorias em saber como andam os projetos de divulgação, mesmo que eles estejam sendo financiados por elas, explica Teixeira. 

“A gente depende muito da universidade e a burocracia dela é terrível, o que dificulta muito o diálogo entre as duas extremidades [quem financia e quem faz e divulga as pesquisas] e o uso dos recursos que existem”, conta. 

A tradução sem conteúdo de materiais e pesquisas internacionais e a replicação da mesma notícia em vários jornais também são problemas apontados pelo professor. Ainda, diz que as pessoas que fazem divulgação científica fora da academia — como jornalistas e youtubers — têm um “instinto de preservação do nicho que eles criaram”, e que as portas estão fechadas para a participação de alguns pesquisadores ou divulgadores. 

Fora do meio acadêmico, na mídia hegemônica, os problemas são outros. A busca pela audiência impede a escolha de temas científicos mais aprofundados. De acordo com Luiza, é desafiador conciliar “algo que seja curioso, mas que seja de interesse público. Às vezes, algo que é de muito interesse não chama atenção”, explica.

Por conta disso, abranger públicos diversos não é simples. Apesar de tentar atingir a todas as pessoas, a editora conta que o Jornal da USP encontra uma limitação: os leitores costumam restringir-se entre pessoas mais velhas, geralmente residentes no sudeste do País.

Também são poucos os divulgadores científicos que conseguem se sustentar financeiramente apenas com a divulgação. Em geral, as pessoas têm uma outra atividade profissional com a qual conciliam o papel de divulgadores.