O estranho mundo das pessoas grandes

Texto por Samuel Cerri

Quando em uma manhã mamãe me acordou, vi que teria mesmo que ir pra escola. Estava frio e era sexta-feira, então implorei mil milhões de vezes para que mamãe deixasse eu faltar, mas ela não aceitou. Eu estava com
muito sono, tanto sono que, a cada longa piscada que dava, uma roupa nova aparecia no meu corpo: calça, camiseta, blusa, outra blusa, tênis… e, de repente, puff, estava pronta pra ir pra escola. Que chato!

Fui dormindo o caminho inteiro, ou pelo menos tentando dormir porque o carro fazia um vrumvrum irritante e balançava tanto que quase não dava. Naquele dia em especial eu estava com muito soninho. Cheguei onde estudava, na Escola de Aplicação numa tal de uspi (“o que é uma uspi?”, eu pensava), e andei até o refeitório esfregando os olhos. Entre uma coçada e outra, consegui ver aquelas coisas esquisitas: carros grandes, laranjas, com quantidades grandes de gente grande, bem apertadinhas. 

Aquelas pessoas grandes eram engraçadas, e estavam por todo lugar ali na uspi. Quando ia almoçar elas estavam lá, e quando saía da escola, também. Algumas delas até davam aula! Mas eram sempre esquisitas, ou estavam mal-humoradas ou gritavam muito, às vezes os dois juntos! 

Tomei meu leite com bolacha e, ainda bem, fui pra aula de desenho. A tia não gostava que chamasse de desenho: “É artes!”, ela falava e falava, mas eu só fazia desenho, então era desenho! Aproveitei que a aula era boba e deitei.

Fui dando piscadas longas, e mais longas, e mais longas, e tão longas que, de repente, eu sumi da sala! De repente, estava indo para a escola de novo, com mamãe, mas… sentia que era a escola dela agora. Estávamos num carro bem grandão, maior que os carros grandes das pessoas grandes na uspi. Cabia muito mais gente, mas era muito mais barulhento. Que chatice, não dava pra dormir! A gente ficou lá parada até que uma voz do além disse: “Pararãm, próxima estação, uspi leste”. Que coisa, tinha mais uspis por aí, então mais pessoas grandes mal-humoradas! Como eu pensei, era a escola da mamãe, porque quem foi tomar leite e comer um pãozinho foi ela, mas eu acompanhei.

Ela me deu um pouquinho do café da manhã dela e metade da fruta do dia, um abacaxi. Só não tomei aquela bebida preta de gosto ruim. Talvez mamãe e as pessoas grandes fossem mal-humoradas por causa disso, mas ela me deixou tomar um suquinho. 

Era muito legal! A mamãe tinha uma mochila, igual eu! Quando saímos de lá, ela me deu as coisas pra entregar para uma outra pessoa grande atrás de uma parede. Tinha que ser numa ordem certinha: primeiro o copo, depois o prato, depois a colher e a faca, depois a bandeja. Que chatice!

Aí mamãe me levou para a sala dela. Fiquei triste quando ela disse que não tinha aula de desenho, e nem aula de artes! “Que mundo sem cor, mamãe!”. Eu falei, mas ela só suspirou e me deu uns lápis de gente grande, daqueles que não apagam, de várias cores: preto, azul, vermelho e verde. Não dava pra pintar muito no caderno dela. Será que era assim que as pessoas grandes viam o mundo? Por isso eram mal-humoradas. Queria correr pela sala, mas não podia. E nem podia conversar muito, nem pegar brinquedos, nem lápis de cor! E “ai” de quem chamasse o tio que dava aula de tio, era “professor doutor”, não sabia que ele precisava ser médico também. Aquele homem grande era tão chato que acabei dormindo de novo, e aí acordei em outro lugar!

Dessa vez, acordei num outro prédio, mas que era parecido com os outros prédios das pessoas grandes de sempre. Dessa vez, mamãe ficava em uma mesa na entrada do prédio, e lá passava um montão de gente. Mas era estranho, porque elas só sabiam falar “bom dia!”. Era bom dia pra lá, bom dia pra cá, e tantos bom dias que cocei a cabeça e pensei se elas só sabiam falar isso…

Pedi pra mamãe brincar comigo, mas ela não podia porque tinha que “trabalhar”. Quando eu brincava de ser gente grande eu também trabalhava, mas não era chato assim! E veio mais bom dias e comecei a ficar irritada. Corri para fora e vi a paisagem da tal da uspi. Grama verde, fofinha, céu azul bem grandão, uma borboleta voando pelo caminhozinho de pedra, folhinhas caindo das árvores e dançando junto com o vento… Como as pessoas grandes não conseguiam ver aquela beleza toda e continuavam mal-humoradas, gritando ou falando bom dia e bom dia e bom…

***

“Dormindo de novo, menina!?”, a tia do desenho me acordou de um sonho maluco.

– Mas eu tô com sono!

– Eu também estou.

– Então porque não dorme?

– Porque eu tenho que dar aula de artes pra vocês.

– Por que não dá aula de dormir? – Ela não respondeu, mas eu nunca abandonava uma pergunta – Por que não dá aula de dormir?

– Vocês já são bem crescidinhos agora!

Não respondi mais nada. Mas não gostei da resposta, não queria crescer e ser que nem essa gente grande e mal-humorada. É, as pessoas grandes eram mesmo muito esquisitas, quem dera elas pudessem sonhar como eu.