Entre o tabu e a prevenção: homens vão ao médico?

Novembro Azul incentiva cuidados com a saúde masculina e conscientização sobre doenças e exames de rotina

Novembro é o mês de conscientização a respeito de doenças masculinas, sobretudo o câncer de próstata. Foto: Mirela Costa/JC

Texto por Sofia Zizza*

Em 2011, o Instituto Lado a Lado pela Vida iniciou a campanha ‘Novembro Azul’, com o objetivo de alertar a população sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de próstata. Aproveitando a ocasião, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer (INCA) ampliaram a data para um movimento maior em prol da saúde masculina como um todo.

De acordo com o INCA, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre homens cisgênero, atrás apenas do câncer de pele não melanoma. A doença acomete, no geral, grupos da terceira idade, uma vez que cerca de 75% dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos. De acordo com dados do Sistema de Informações Hospitalares, do Ministério da Saúde, 85% dos homens cis afirmam não conhecer ou não saber os sintomas da doença.

Oscar Fugita, urologista do Hospital Universitário da USP, afirma que, em estado inicial, o câncer de próstata não provoca indícios evidentes. “Os sintomas estão mais diretamente ligados ao crescimento benigno da próstata. O tumor maligno só vai provocar sintomas em um estado mais avançado, no qual o tratamento fica mais difícil.” Ele ainda aponta que, quando diagnosticada em fase inicial, a doença tem altas chances de ser curada e controlada, por isso a importância do acompanhamento médico e das medidas de prevenção. 

Fugita explica que, na maioria dos casos, os homens cis passam a frequentar o urologista após os 50 anos de idade, justamente por conta da preocupação com o órgão. Ele ainda reitera a importância de pessoas com histórico familiar iniciarem os acompanhamentos preventivos a partir dos 40 anos. 

No entanto, o médico defende que a visita ao urologista deve ser feita ao longo de toda vida, uma vez que existem doenças masculinas muito comuns que surgem na infância e adolescência. “O tetístuculo não palpável, por exemplo, é uma condição que surge na infância e que, se não for diagnosticada em fase precoce, pode ocasionar em um câncer de testíciulo”. O tumor tem maior incidência em homens de 19 a 35 anos. 

Outra doença que ocorre principalmente durante a adolescência e que  recomenda-se o tratamento em fase precoce é a varicocele. De acordo com Fugita, quanto mais tardio o diagnóstico e tratamento, maior a chance do desenvolvimento de infertilidade. “Muitos acabam sendo diagnosticados apenas quando querem ter filhos, muitas vezes depois dos 30 anos. Nessa idade, as chances de cura são mais difíceis”, afirma o urologista. 

Sistema de saúde

Uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), sobre a percepção do homem a respeito da sua saúde, mostra que 46% de pessoas cingênero do sexo masculino só vão ao médico quando sentem algo. A pesquisa ainda indica que, em 2022, houve mais de 312 milhões de atendimentos masculinos, enquanto os femininos ultrapassam 370 milhões.

Oscar Fugita reflete que o fato dos homens cis frequentarem menos os sistemas de saúde que as mulheres é uma questão cultural. “É uma construção do mundo machista que diz que os homens não precisam se cuidar.” Ele revela que as mulheres são incentivadas a continuar indo ao médico após a infância, principalmente ao ginecologista, após a primeira menstruação. Em relação ao câncer de próstata, ele conta que, dentre os motivos que impedem os homens cis de se prevenir, está o preconceito do exame de toque retal. 

Gabriela Junqueira, professora do Instituto de Psicologia (IP) da USP, relata que essa diferença de comportamento vem de uma construção social acerca dos gêneros binários. “São atribuídas funções sociais distintas aos gêneros, nas quais a produção de riquezas é atribuída ao masculino e a reprodução e o cuidado ao feminino.” 

Ela pondera, analisa que, além das mulheres serem responsáveis por funções atreladas ao cuidado de crianças e idosos, elas ainda são responsáveis pela saúde reprodutiva. “A reprodução é dita como um dever das mulheres, que são aconselhadas a procurar um ginecologista para cuidar dos riscos à sua reprodução e cuidar da sua saúde contraceptiva”, completa. 

A professora Gabriela afirma que essa divisão social e conservadora dos gêneros também afeta a procura de serviços de saúde mental e psicológica. “Os meninos, desde cedo, não são incentivados a demonstrar emoções e a pedir ajuda, o que faz com que eles procurem menos cuidar da saúde mental”. Por não serem incentivados a conversar e trocar intimidades com amigos, há uma maior dificuldade de ter um reconhecimento e entendimento maior das emoções. 

Prevenção 

Miguel Luiz Camargo, de 74 anos, foi diagnosticado com câncer de próstata há poucos anos. Diferindo dos dados mostrados acima, ele afirma que sempre frequentou o sistema de saúde. “Eu sempre fiz os exames necessários e frequentei o urologista. Tudo sempre esteve dentro da normalidade. Mas meu médico nunca quis fazer exame de toque”. Ele acrescenta que descobriu a doença em uma visita ao cardiologista, que recomendou a procura por outro profissional da urologia.

Miguel ressalta a necessidade de contar para as pessoas próximas sobre a doença. “Quando descobri o câncer, contei para toda a minha família e amigos, por isso tive um apoio muito grande. Hoje converso com pessoas sobre a doença e os cuidados que tive, para evitar que acometa mais gente”. Ele conta que mesmo depois do término do tratamento mais específico, segue fazendo exercícios de fisioterapia em casa, frequentando a academia e consultando o urologista a cada três meses.

Oscar Fugita afirma a importância da realização de exames preventivos ao longo de toda a vida e que, para isso, é necessária uma maior conscientização. “É muito importante que as pessoas tenham informações corretas e com embasamento científico sobre as doenças, para que assim possam saber dos riscos e se prevenir.” Ele explica que notícias falsas confundem o paciente, e que a recomendação é sempre contatar um profissional. 

Gabriela entende que são necessárias ações direcionadas às novas gerações para conscientizar sobre a importância de frequentar os sistemas de saúde. “Eu acredito que é necessária a criação de espaços que incentivem os meninos a cuidar da saúde e da sexualidade, além de proporcionar espaços de discussão onde crianças e jovens possam refletir sobre isso.”

Nota de pesar

Com grande pesar, comunicamos
o falecimento de Tiago Murakami,
aos 43 anos, no dia 11 de outubro
de 2024. Servidor da USP, ele ingressou em 2001 no curso de Biblioteconomia da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e construiu
uma carreira significativa, se destacando como chefe de catalogação.
Em junho, Tiago concedeu uma
entrevista ao Jornal do Campus
(edição 541). Ele contou sua trajetória como uma pessoa que enfrentou um câncer de intestino,
seguido por uma metástase no
fígado, com coragem e otimismo.
O JC se solidariza com a família
e amigos de Tiago. Sua história se
eterniza nas páginas desse jornal e
na memória da ECA.

*Com edição de Fernanda Zibordi