Lei de Licitações aumenta transparência, mas amplifica processos burocráticos e provoca adiamento na liberação de recursos na USP

por Gustavo Roberto da Silva e Júlia Moreira

Escassez de produtos básicos, pilhas de solicitações não atendidas e sobrecarga física e emocional de servidores. Apesar do orçamento bilionário, “na esfera pública, o problema não é ter dinheiro suficiente, e sim conseguir gastar ele”, afirma Thiago de André, coordenador do Cinema da USP (CINUSP) há dez anos.
Substituindo a Lei Federal nº 8.666/93, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21) entrou em vigor este ano na USP, alterando os processos utilizados pela Universidade para realizar compras e contratações. A legislação buscou ampliar a transparência e aumentar as chances da Universidade fazer compras de melhor qualidade e com menor preço. Mas, suas novas exigências causaram mudanças nos formulários preenchidos pelos técnicos administrativos. Agora, muito mais detalhados que os modelos anteriores.
Assim, com pouco tempo para adaptação – embora a Lei exista há 3 anos, a USP tardou em instruir funcionários para aplicá-la –, projetos, serviços e compras sofreram adiamentos em diversos institutos.
Para o coordenador, a lei é efetiva e consegue cumprir seu papel de garantir a transparência e reduzir as chances de corrupção no orçamento público, mas há grande dificuldade para conseguir fazer contratações e compras quando demandas mais urgentes surgem.
Começa com o cadastro das empresas: “A empresa que quer vender precisa participar ativamente do processo. Ela precisa atender a diversos requisitos e entregar uma série de documentos. Realizar esse processo leva tempo, requer funcionários e consequentemente custa dinheiro. Por conta disso, se paga um preço muito maior do que o valor de mercado”, afirma.
Continua com os requisitos para quem quer comprar: os documentos citados pelo técnico-administrativo são públicos e estão disponíveis no portal do Departamento de Administração da Reitoria. Ao acessar as instruções para compras, por exemplo, há um tutorial de 67 páginas, detalhando como o novo processo deve ser realizado pelos funcionários. O procedimento possui 13 fases e cada uma requer uma série de justificativas e assinaturas.
Thiago também ressalta que um dos grandes problemas do processo atual foi a transição repentina. “Estávamos com a documentação pronta para uma aquisição e quando fomos pegar o documento para preencher ele não existia mais. Os modelos estavam em atualização para se adequar à nova lei e não conseguimos mais proceder com a contratação”, conta.
Segundo a reitoria, desde a implantação da nova lei, a USP, o Governo Estadual e o Governo Federal têm oferecido cursos de capacitação para funcionários que atuam nessa área. O fato foi confirmado por Thiago, com a consideração de que os treinamentos são enviados por e-mail e são extensos.
Ao abordar os desafios enfrentados após a implementação da nova lei, o Coordenador do Cinusp conta que, devido à extinção do modo antigo de realizar contratações, a mostra Novíssimo Cinema Brasileiro, apresentada no começo de cada ano com as mais novas produções nacionais, teve que ser postergada para o segundo semestre.
Procurada pelo JC, a reitoria informou que o atraso no processo de licitação se deve à dificuldade das Unidades de atenderem a toda a burocracia exigida pelo novo sistema e que a liberação dos recursos ocorre mediante aprovação do Orçamento da universidade.
Contrapontos
O professor Marcos Augusto Perez, da Faculdade de Direito (FD), afirma que as inovações da lei são positivas, mas que a Universidade precisa fortalecer seu quadro administrativo.
“Penso que a nova lei aperfeiçoou mecanismos de transparência, o portal nacional é um exemplo disso. As novas imposições devem ter a ver com requisitos de qualidade que a lei passou a exigir.”
Perez enfatiza que, nos dois anos que a lei levou para começar a ser implementada, houve um período para que a Universidade capacitasse os servidores responsáveis pelos processos e adaptassem seus sistemas. “A culpa seguramente não é da lei, ainda que não haja lei perfeita. A administração tradicionalmente contratava mal epagava caropor produtos de má qualidade. A lei tentou criar condições para superarmos esse quadro”, afirma.
Ainda sobre a nova legislação, Thiago de André comenta que a burocracia surge com boas intenções, mesmo que isso dificulte a rotina e funcionamento das unidades. “É muito fácil criticar a legislação de compras, mas é quase impossível propor algo que seja melhor e ao mesmo tempo mais alinhado com o interesse público, que é múltiplo”.

Direto do Orçamento
Distribuição Orçamentária da Universidade e serem aprovados pelo Conselho Universitário. Para 2024, por exemplo, a USP contou com uma receita total de R$8,6 bilhões, sendo 84% do valor destinado para o pagamento pessoal, que inclui aposentadorias e o salário de servidores. O restante do orçamento é destinado para as demais atividades como a compra de equipamentos, requalificação da infraestrutura, além da manutenção dos diversos serviços, bolsas e auxílios fornecidos.