Osama Bin Reggae, a última megafesta da USP

Marcado por polêmicas, Osama Bin Reggae chegou a receber 8 mil pessoas entre 2002 e 2013 e foi embrião do fim das festas na Universidade

Por Júlia Galvão e Maria Fernanda Barros

“Esse era um dos únicos momentos em que via gente de favela e da periferia lá na USP”, relata Luan Oliveira, ex-estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP). O momento ao qual ele se refere é o Osama Bin Reggae, festival que aconteceu entre 2002 e 2013 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). 

O nome do evento foi pensado propositalmente como uma provocação sobre o cenário político do período. Não por acaso, o festival aconteceu pela primeira vez exatamente um ano após o ataque comandado pelo líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden. O Osama contava também com a “Semana da Resistência”, uma série de debates que antecedia a festa que movimentava a cena cultural de São Paulo.

Em alguns anos, o evento não aconteceu e, em outros, foi organizado em espaços fora da Universidade. Apesar dos desafios, como processos administrativos, notas de repúdio de docentes e até mesmo uma coluna do jornalista Reinado Azevedo na Revista Veja classificando o evento como “um dos viveiros de boa parte do que há de estúpido no país”, ele durou mais de 10 anos e marcou a graduação de diversos alunos.

Como surgiu? 

“A ideia é que fosse uma festa aberta e divulgada por todo o território de São Paulo. Espalhamos muitos lambes pela cidade”, recorda Lia Morais, estudante de história que organizou a primeira festa. 

Pedro Moura, historiador que participou da criação do evento, relembra que o início do festival aconteceu no mesmo ano de uma das maiores greves estudantis da USP, a Greve da FFLCH de 2002. “Foi um momento de mobilização estudantil, que foi combustível do festival”.  

A organização da festa não era realizada por um grupo político formalizado, mas  tinha a participação da Rádio Várzea, rádio livre que funcionava no prédio da FFLCH. A ideia central do evento era questionar a exclusão do acesso da comunidade externa aos espaços estudantis. “Tínhamos a ideia de trazer a população e de ser uma contestação para aquilo que era posto pela Universidade”, diz Pedro.

Espaço público

“A maioria das pessoas que iam ao Osama nunca tinham entrado na USP e nem imaginavam que um dia iam entrar lá”, avalia Luan, que ia às festas quando era estudante da graduação. Pedro aponta que eles já chegaram a receber cerca de oito mil pessoas. “Eu lembro que, do metrô Butantã, os ‘busão’ ia cheio de gente com pessoas até surfando em cima do ônibus. O negócio era gigante”, completa Luan. 

Tati Nikitin, ritmista da bateria Destemida, frequentava as festas durante a adolescência e relata que via o festival como um ambiente tranquilo. “Acho que por vir da rede pública, gostar de reggae e de cerveja, lá era um ambiente acolhedor. Eu lembro que conseguia comprar cerveja por um real”. Ela diz ainda que tinha contato com pessoas de diversos grupos e tribos. 

Quem é o terrorista?  

 Essa pergunta estampou os cartazes da turma que organizava o Osama Bin Reggae. O nome do festival carregava uma provocação sobre o significado de “terrorismo”, conta Luís: “Mas quem é o terrorista, afinal? As discussões sempre passavam pela questão do terrorismo de Estado, pensando o Estado como o verdadeiro promotor do terror na população.”

O caráter polêmico do nome foi, inclusive, pauta da semana de debates nos primeiros anos da festa, recorda Juliana Leal, que era estudante de história e uma das organizadoras do evento. “Politicamente, não é que a gente estava defendendo o atentado ou o Osama Bin Laden”. 

O debate político não se restringia às rodas de conversa e aos cineclubes organizados na Semana de Resistência. Ele se manifestava, sobretudo, enquanto o festival acontecia e na repercussão da festa dentro e fora da USP. Luís relata que, durante o evento, o pixo era uma das principais formas de expressão dos estudantes e se tornou recorrente ao longo dos anos: “O entorno do prédio da História e Geografia e o térreo amanheciam muito pichados”. 

As pichações no edifício acarretaram “conflitos tensos” com os órgãos da Universidade, conta Luís: “Professores pediam punição, havia manifestações da Congregação da FFLCH, mas a gente dizia: ‘Nós defendemos uma Universidade aberta. O pixo faz parte da cultura da cidade, e a USP faz parte da cidade’”.

Sob acusação de depredação do patrimônio público, Pedro e Lia afirmam que eles e outros colegas chegaram a ser processados administrativamente pela direção da faculdade. Segundo os estudantes, foi aberto um processo de sindicância que envolveu audiências, oitivas e depoimentos de professores e alunos. 

A represália, no entanto, não é atribuída como a principal razão do fim do festival e da Semana de Resistência em 2013. O grande impeditivo foi a falta de infraestrutura, aponta Luís: “Quando a festa atingiu números grandes, as questões de segurança começam a ficar complicadas. Nos últimos anos, surgiram denúncias de mulheres que foram assediadas. Não dá pra fazer uma festa em que as mulheres não estão em segurança”.

Proibição das festas na USP

O Osama levanta uma discussão que nunca acabou: o acesso à USP como espaço público. Dois anos após o fim do festival, as festas no campus foram proibidas pela reitoria — e o pretexto que legitimou essa medida coincide com o contexto alegado pelos estudantes como responsável pelo encerramento da festa. 

Segundo Ana Lúcia Pastore, professora de Antropologia que assumiu a Superintendência de Segurança da Universidade em 2014 e 2015, o despreparo do campus para hospedar as festas foi determinante na decisão: “A questão dos assédios e estupros era algo muito preocupante. Ainda houve a morte de um rapaz cujo corpo apareceu na Raia Olímpica, depois de uma festa em 2014. Essas coisas foram decisivas para que as festas viessem a ser proibidas”, afirma.  

Ela observa que, durante a sua gestão, não havia concordância dentro dos órgãos da USP no debate sobre as festas universitárias. “Eu pensava que proibir não era o caminho, e sim regulamentar, pela segurança das pessoas presentes nas festas. Mas as festas foram proibidas porque não se chegou a um consenso”, relata a professora. 

Até hoje, a falta de consenso predomina quando o assunto é o acesso à USP para atividades extra-acadêmicas. Embora essa reivindicação exista há décadas, nunca houve um rearranjo na estrutura do campus para permitir esse cenário, avalia Ana: “Para que o campus possa ser aberto ao público, teria que haver mais infraestrutura, mas isso nunca avançou”.