Ambiente acadêmico hostil desestimula alunos na pós-graduação

Estudantes apontam a insegurança financeira e o processo seletivo excludente como os principais desafios

Maria Fernanda Barros e Gustavo Silva

Ambiente acadêmico hostil desestimula alunos na pós
Foto: Gustavo Silva

Nos anos de 2021 e 2022, o número de ingressantes nos programas de pós-graduação caiu em mais de 11% no Brasil, segundo os dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). As informações disponibilizadas pelo órgão ainda indicam que a queda de participação foi o suficiente para causar uma ociosidade de vagas, tanto nos cursos de mestrado, quanto de doutorado. 

Ainda que a pandemia possa ter influenciado os maus resultados do biênio, a baixa procura passa longe de ser apenas uma falta de interesse dos estudantes pela área acadêmica, analisa Alessandra Garcia, mestranda na Universidade de São Paulo (USP) e fundadora do Itéramãxe, instituto que atua em prol da continuidade dos estudos universitários. Na visão da pesquisadora, as estruturas que definem o ambiente de pesquisa na Universidade desestimulam a participação estudantil.

Mesmo após a adoção de políticas afirmativas na graduação e em diversos editais de pós-graduação, a Universidade ainda mantém uma série de barreiras que afetam, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade social. Alessandra diz isso, inclusive, por experiência própria: “O Itéramãxe nasceu de uma dificuldade minha de quando eu tentei prestar mestrado, do não conhecimento da linguagem acadêmica, da obrigatoriedade da língua estrangeira e até mesmo, da dificuldade em entender as bibliografias que eram dadas”.

Segundo Alessandra, há a necessidade de uma flexibilização ou modificação nas formas de acesso — a advogada cita a obrigatoriedade de proficiência em inglês como um exemplo de forma de exclusão. Porém, além dos obstáculos no ingresso, há quem não consiga permanecer no ambiente acadêmico. “A questão da permanência dentro da pós-graduação esbarra na questão financeira, no tempo para se dedicar ao projeto de pesquisa e na questão da sobrevivência, porque a pessoa precisa trabalhar, ela precisa do dinheiro dela”, constata Alessandra. 

Essas adversidades forçam muitos estudantes a desistirem de produzir pesquisas: “Já tivemos muitos casos de pessoas que queriam largar, mas fizemos de tudo pela manutenção”, relata a coordenadora do Itéramãxe. Atualmente, o grupo tenta reverter esse cenário realizando mentorias com alunos em situação de vulnerabilidade social que desejam se dedicar à área acadêmica.

Outro fator responsável por desestimular os estudantes em suas pesquisas, segundo a pesquisadora, é o conservadorismo dos orientadores, que se mostram intransigentes com as diferentes formas de linguagens próprias de grupos vulnerabilizados, como as pessoas negras e LGBTQIAPN+. 

Fabi Silva, aluna da pós-graduação da USP no curso de Humanidades, direitos e outras legitimidades, relata sentir dificuldades em se adequar ao formato tradicional de pesquisa desde a sua graduação. “O ambiente é bastante hostil, as dinâmicas são estruturadas de uma forma que a gente não se reconhece nelas. É difícil experienciar todo esse processo que é a pós-graduação ou o ensino superior sem tantos atravessamentos violentos, que é o que normalmente acontece”.

A dificuldade de iniciar e concluir projetos de pesquisas causam prejuízo social, além dos danos à vida acadêmica, pessoal e profissional dos estudantes, afirma a coordenadora do Itéramãxe. “A gente vê projetos com temáticas importantíssimas, que poderiam trazer benefícios para a sociedade, até mesmo trazer visibilidade para a universidade, mas muitas vezes são abandonados.” 

Para um dos mentorados do Itéramãxe, as dificuldades impostas pela Universidade ao ingresso dos estudantes na área acadêmica vem desde o vestibular. “Sempre tive o sonho de estudar na USP. Prestei o vestibular três vezes, mas não passei. Depois de 24 anos, consegui ingressar na Pós-Graduação como aluno Especial”, conta Marcos Paulo, que aguarda o resultado final do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades (PPGHDL) 2024.

Marcos se vê como um dos poucos, de onde ele veio, que se permitiram sonhar em ingressar na USP. “As pessoas de baixa renda não se imaginam estudando aqui. Por muitos anos, foi construída uma imagem de que aquele espaço não era para elas”.