Estrutura e incentivos se relacionam com desempenho do país em competições nacionais e internacionais

Por Beatriz Haddad e Miriã Gama*
O apoio ao esporte de alto rendimento no Brasil está aquém do potencial dos atletas, até mesmo na maior universidade do país. Esse cenário deriva-se da falta de estrutura adequada e do pouco incentivo das instituições aos estudantes, impactando diretamente o desempenho esportivo. Nas Olimpíadas de Paris de 2024, por exemplo, a delegação brasileira conquistou apenas três medalhas de ouro, igualando o número de Londres 2012 e regredindo em relação a Tóquio 2020 e Rio 2016.
Em contrapartida, na primeira posição do quadro de medalhas, os Estados Unidos destacam-se como referência na gestão do esporte universitário, com 40 ouros e 126 medalhas no total. Observar o processo norte-americano revela um caminho para a superação brasileira como potência olímpica, a partir da ampliação do incentivo à prática esportiva nas universidades.
O esporte uspiano
Uma pesquisa realizada pelo JC sobre as percepções e vivências de atletas da USP aponta que 63,3% dos 30 esportistas entrevistados considera baixo o apoio (institucional ou financeiro) oferecido pela Universidade no setor. Entre os restantes, 16,7% acredita que existe certo incentivo com margem de melhora e 20% classificam-no como inexistente. Não houve respostas que qualificassem o apoio dado pela Universidade como alto ou suficiente.
Gustavo Rocha, graduando em Letras e membro da equipe de atletismo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), concorda que o apoio para os atletas é irrisório. O atleta compara o funcionamento do esporte universitário no Brasil com o do exterior. “A gente entra na faculdade, começa um esporte e não recebe nenhum tipo de ajuda. Se quisermos fazer, devemos nos virar”, afirma Gustavo.
O esportista conta que, no momento dos vestibulares, se sentiu mais motivado a entrar na FFLCH quando soube da possibilidade de praticar atletismo na Universidade. Apesar de ter suprido suas expectativas na vivência do esporte em si, Gustavo esperava uma participação financeira maior da administração da instituição: “Fazemos ‘cervejadas’ com a ajuda da atlética para arrecadar dinheiro, já que não recebemos apoio da reitoria ou da própria FFLCH”.
Se a gente tivesse a estrutura americana, ninguém nos seguraria. Pra mim, o esporte brasileiro é ainda o melhor do mundo
Gaby Castro, ponteira de vôlei
Falta de perspectiva
“Eu nunca quis sair do Brasil para jogar, só que numa certa idade você não consegue disputar mais nada.” É assim que Gaby Castro, 22, descreve uma de suas motivações para ter se mudado para os Estados Unidos. Com o objetivo de se tornar atleta de vôlei universitário, ela conta que, mesmo após passar por clubes e chegar a ser federada no Brasil, não via caminhos para conciliar o esporte com a formação universitária.
Atualmente, Gaby joga como ponteira no time do American International College, em Springfield, Massachusetts, e é graduanda em Psicologia e Justiça Criminal. Ela contrasta a infraestrutura e organização do esporte universitário estadunidense com o brasileiro e destaca a discrepância nos espaços e equipamentos: “A gente sempre tem mais de 100 bolas para treinar, o que não acontecia no Brasil, onde geralmente eram no máximo 20 bolas.”
A respeito da superioridade no nível competitivo no exterior, Gaby explica que o padrão esportivo das Universidades estadunidenses equivale à potência dos clubes ou mesmo federações no Brasil. Todos esses fatores influenciaram na decisão da jovem de tentar sua carreira nos Estados Unidos, ao invés de permanecer em seu país natal.
Forma de ingresso
Outro ponto que contribuiu para esse processo foi a forma de ingresso no sistema norte-americano de ensino superior. Com o apoio de uma agência, a atleta enviou um vídeo de apresentação para as instituições estrangeiras e pôde avaliar as propostas de bolsa, escolhendo qual seria melhor para o seu objetivo.
Gaby conta que no exterior cada instituição oferece um tipo de bolsa, algumas com 100% de isenção de custos e outras com descontos ou apoios pontuais; um avanço muito grande em comparação ao Brasil. ”A estrutura daqui [EUA] é uma loucura: temos técnico, assistente técnico, assistente de musculação… As melhores universidades têm umas 12 pessoas só à sua disposição”, completa.
‘American dream’
Para Maria Eugênia Machado, apelidada de Mage, o ingresso em uma universidade estadunidense também foi a chance de continuar praticando o voleibol em um nível mais profissional. “Eu queria muito continuar jogando vôlei depois de me formar, mas na faculdade não queria competir somente pela atlética porque é algo que eu levo muito a sério, então preferi encontrar uma agência e vir para os Estados Unidos”, conta.
A atleta de 22 anos faz parte do time de voleibol da Minot State University, em Dakota do Norte, e assim como Gaby, ressalta as diferenças da condição do esporte universitário nos dois países. “Aqui qualquer time universitário, do melhor ao pior, tem uma super estrutura. Cada faculdade é patrocinada por uma marca esportiva e você ganha tudo com muita qualidade”, afirma.
Sobre o período em que jogou no Brasil, Maria Eugênia relembra que muitas vezes as atletas sequer tinham acesso a vestiários adequados, tendo que se trocar em banheiros e carregar os pertences consigo.
A vivência da estudante no Brasil se assemelha aos resultados da pesquisa feita pela reportagem com atletas da USP – na qual cerca de dois terços dos estudantes apontam um cenário precarizado e inferior ao vivido pelas brasileiras no exterior. A atleta entende que essa distinção no apoio dado aos universitários estadunidenses impacta diretamente na qualidade e seriedade do esporte: “Com bolsa e infraestrutura, todos recebem muito investimento e há retorno.”
*Com edição de Artur Abramo