
Por Samuel Cerri
Mais uma vez, a USP se consagra como a melhor universidade do Brasil, segundo ranqueamento realizado pela Folha de S. Paulo. Em seus 90 anos de fundação, a instituição se vangloria do resultado. Mas, vale se questionar: o mérito é de todos? É para todos? É sentido por todos que compõem a USP? A resposta franca é não.
Encastelada em si mesma, a Universidade de São Paulo é uma instituição paralisada no tempo. De “universidade” a USP não tem nada, é fechada para o pensamento externo, para o mundo externo, para a sociedade que a rodeia. Na orgulhosa “melhor universidade da América Latina”, a pesquisa e a liderança feminina ainda são dificultadas e deslegitimadas; a cultura preta é recebida com relutância; o trabalho é precarizado, seja pelo viés da terceirização, seja pela dupla ou tripla jornada laboral enfrentada por pais e mães com pouca rede de apoio; a presença indígena, transexual, negra e PcD é atravancada pelos mecanismos obsoletos de seleção de vagas, que lembram muito aqueles utilizados nos anos 90.
A USP como um todo funciona dessa maneira: como se vivesse cristalizada no século passado.
O mundo ao redor se altera, evolui. Universidades federais pautam, discutem e aplicam sistemas de cotas para pessoas com deficiência, transexuais e indígenas. Instituições como a Faperj e a UFF garantem maneiras de equilibrar a parentalidade com a pesquisa científica e o trabalho. Laboratórios, como o da P&G, são cada vez mais ocupados por mulheres. Mas na mais importante universidade do país, esses setores se vêem marginalizados, esquecidos e ignorados, isso quando conquistam, dificultosamente, entrar na USP. Para eles, não há muito o que se comemorar com um ranking de 1º lugar, embora seja justamente graças ao trabalho dessas pessoas que a USP ocupe a posição de destaque que a Reitoria adora gritar aos quatro ventos.
Essa edição é sobre essas duas questões: a inércia histórica da USP e a resistência daqueles que, já que não são ouvidos, marcam a própria presença. O racismo, transfobia, misoginia, capacitismo e etarismo estruturais são antagonizados pela determinação e inspiração feminina [pág. 6], pela resiliência da cultura negra [pág. 7], pelos movimentos pelas cotas PcD e trans [pág. 8], pela manutenção da memória da luta sindical [pág. 11] e pelo apoio coletivo que a comunidade USP dá a si mesma [pág. 13].
Se a “Melhor do Brasil” completa 90 anos de excelência, não é graças a uma direção paralisada nos anos 90: É graças a nós, que há nove décadas insistimos em ocupar esse espaço com nossa existência.
*Imagem de capa: Cecília Bastos/USP Imagens